segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Eu.

 Vou começar a deixar tudo no chão, parece tão mais prático e tão mais eu. Vou cuspir-me e deixar ali, vou derrubar-me e não limpar o rastro do chão, vou vomitar-me e ficar caída como uma criança que não sabe andar. Acho o natural tão melhor. Vou deixar o cabelo crescer, a unha ficar comprida, os olhos mais cegos, os ossos mais fracos. Vou deixar de ser exemplo, vou ser eu. Assim poderei guardar-me sem receio algum. Vou ficar como uma boneca parada sem nem piscar os olhos.

 Vou deixar raízes crescerem em meus pés e em meus braços crescerem folhas. Virarei arvore. Mas não serei uma arvore que dá sombra, acho que serei aquelas pequenas, tímidas, que ficam tão na sua que nem parecem que estão ali ao seu lado te fazendo cocegas.

 Acho que começarei a aceitar a minha alma preguiçosa e medrosa. Farei com que todos não reparem, com que ninguém toque em mim. Serei medo. Serei terror. Como aqueles programas de domingo que tanto passam e não levam ao nada além da segunda feira de manhã fria e tediosa. Não levarei a nada.

 Vou ser eu, deixando tudo exposto, como se meus sentimentos fossem grandes obras de arte desorganizadas em uma estante adolescente. Como se meus copos quebrados fossem esculturas, e meus rabiscos pinturas. Eu cairei por cima de tudo, e lá ficarei, tudo será exposto, até a outra face de mim.

Nicole Elis

Dizeres de alma mendiga.

 Sinto-me encharcada, fui afogada, parece que morri. Poderiam me torcer e destorcer, continuaria assim. Pareço uma roupa mal lavada, pendurada no varal ao lado de roupas tão branca. Me sinto suja. O toque da mão que me torce não é doce como deveria, e o que destorce é tão áspero que dói só de lembrar.

 Acho que mergulhei em auto-mar, afundei, afundei, e apareci aqui. Não quero sair, não gosto de imaginar onde poderiam me levar, talvez para um lugar incomum, ou, ou tão comum que vire assustador, tão assustador que nem caiba mais tanto eu.

 Mas acho que vivo para lembrar e não para ser torcida. Lembro do mar tão salgado, saindo por meus ouvidos e cuspido pro minha boca. Lembro de um braço que além de me torcer como se fosse por mais uma vez uma roupa molhada, me impediu de dar um salto daquela cena. Minha alma queria se desprender, mas parecia difícil com aquela figura estranha impedindo-a. Lembro da musica que tocava, parecia o som da morte, ou do mar. Meu rosto era de uma criança adormecida, suspirava como uma e agia como tal.

 Talvez seja assim, sou apenas uma criança impedida. Quer ir brincar, mas a porta está trancada. Ouve gritos e risadas de crianças felizes enquanto pulam na lama e se sujam sem preocupação. Mas não pode juntar-se a elas. Corre, corre, mas continua ao mesmo. Molhada, apesar de se torcendo e destorcendo. Sou criança, sou alma de mar.

 Vou correr, desta vez libertarei-me, mas a culpa pesa mais do que minha alma limpa, a sujeira é tanta que não vejo o branco. O limpo se torna sujo, o sujo se torna imundo. E logo sou a alma que nunca quis ser. Sou alma mendiga, suja, com fome, sede, tentando se libertar mesmo sendo tão livre. Assim me faço a grandiosa pergunta: Se libertar do quê?

 Talvez seja de mim. Desta pobre alma mendiga.


Nicole Elis

sábado, 17 de dezembro de 2011

Uma cena de libélula.

- Lisbela, Lisbela. Espera-me.
- O que tu queres Marco?
- Quero-te dolente, era tão mais sociável.
- Não Marco, deixe-me voar, e agora por favor, me chame de Libélula.

Libélula, Lisbela,

  O que houve Libélula, digo, Lisbela? Avistei tuas rosas jogadas pela estrada, estavam afogadas na água da chuva mais intensa que já vi. Para onde fostes? Abri a porta esperando ter-te ali sentada esperando meu amor, enquanto lia um livro e tomava um café. Mas não estava. O que restava era uma xícara vazia e um livro com uma página dobrada como de costume. Também havia um papel na maquina de escrever, vi que devia estar tentando escrever algo nesse lixo azul.
 Ouvi barulhos dentro do quarto, pulei pensando ser você. Não havia ninguém lá, só a janela aberta e o vento que fez um quadro cair. Seu quadro favorito, um que cansei de ouvir o nome, mas nunca lembro. Ajuntei-o, pendurei de volta naquela parede cor-de-céu. Logo olhei para cama, estava revirada, para onde foi seu costume de arrumá-la, Lisbela? 
 Lembrei-me de seu corpo noite passada, brilhante à luz da lua, tão reluzente e doce. A sua amargues tinha sumido aquela noite. Lembro de meus lábios acariciando os teus, e da sua preocupação com uma noticia qualquer. Mas a preocupação sumiu, sei que só pensou em mim no instante que te fiz minha.
 Agora estou aqui, como bobo escrevendo nessa velharia palavras que não irás ouvir, ou ler. Aquelas flores jogadas custaram-me caro Lisbela, eram as mais belas. Juro que depois de lembrar de seu corpo reluzente da noite passada, eu tentei organizar a cama e prender o quadro mais uma vez depois de cair de novo, mas só tu sabes o quanto não tenho jeito para isso. Mas Lisbela, eu tento.
 Lisbela, volte, traga seu sorriso para mim novamente. A chuva não pára benzinho, parece que é tu quem trás o sol. Não importa, deixarei teu livro na página marcada, e sua xícara esperando-te por mais uma madrugada.
 Libélula. Oh, Lisbela. Para onde foste? Deixando tuas flores jogadas pela rua. 

   De seu amargo Marco.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Dezembro.

 Via-o pequeno, indefeso, criança qualquer. Jogado, atirado, naquele mês em que todos pareciam unirsce. Mas só desencontrava. Cansava de ver por baixo, queria as nuvens, queria enxergar do céu.
 Era dezembro, como qualquer outro mês, era normal, indiferente. Dia primeiro suas primeiras palavras foram sussurradas com o nome do novo mês. Primeiro ato foi abrir os olhos para ver o sol, não sorriu. Suspirou. Era o vento, odiava ventos de domingos. Odiava domingo, odiava a divisão dos meses. Tinha sempre aquela sensação de ter que recomeçar. Queria a overdose que durasse o ano inteiro, assim não teria que recomessá-la, odiava amar novamente à cada mês. Na verdade, odiava recomeçar, o primeiro dia do mês sempre é tortura. Ver o dia 1 depois do 30, deveriam ser infinitos, como lembranças, como amores.