terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Uma cena de Libélula e Delfim.

 Estava eu e o triste garçom em uma manhã de domingo fria e chuvosa. Eram nove da manhã, estava lá eu e meu café observando a praia vazia, que assim fica mais bela. O mar era um deserto d’agua. Gostava de manhãs assim, era a única. Procurava no fundo daquela pequena xicara de café um pouco de amor no mundo, ou pelo menos um pouco para mim. Peguei meu livro procurando nele algumas palavras de consolo. Pedi um bolo querendo que nele viesse inspiração. A pequena cafeteria era gostosa de ficar, a sua música ambiente combinava com o gosto do café. A chuva estava cada vez pior, e um vulto mudo e molhado passou arrastando as cadeiras do lugar. O vulto sentou-se como se estar totalmente molhado naquela cafeteria fosse à coisa mais normal do mundo. Seus olhos eram cor da minha planta preferida. Delfim. Seus olhos eram os mais belos que já havia visto, e eles brilhavam, de seus cílios pingavam gotas daquela chuva de fora. Vi sua mão levantar e fazer um sinal para o garçom que veio correndo como se já conhecesse aquele olhos-de-delfim. Logo percebi: estava olhando demais para aquela pele branca que combinavam tão bem com aqueles olhos azuis e aquele grande sorriso. Voltei para meu livro e meu café. Mas aqueles olhos eram hipnotizantes.  A musica ambiente mudou, agora parecia com algo francês. Fiquei lá, observado aqueles olhos de delfim tomando seu capuchino e lendo um artigo no jornal. Estávamos nós e o garçom. Ninguém na praia, ninguém no mar. Acabei me entretendo com meu livro, esqueci-me dos olhos de delfim.  Senti uma mão gelada em meus ombros.

- Cê tem açúcar moça? Na minha mesa não tem...

- Claro moço. – Dei o açúcar para os olhos de delfim.

- Gosto de cafés demasiados de açúcar.

Ele deu aquele sorriso de gigante e logo que agradeceu, deu as costas e sentou em sua mesa e logo colocou três saquinhos de açúcar em seu café enquanto deixava a xicara do capuchino de lado. Olhei ao redor, todas as mesas estavam vagas e com saquinhos de açúcar. Ele sorriu sem mostrar os dentes, eu sorri de volta. Meus olhos de jabuticaba pareciam estar hipnotizados, enquanto ele dava goles no café cheio de açúcar.

Meu livro me cansava, queria aqueles olhos. Sua voz era rouca e doce, eram como pássaros cantando em uma manhã fria de domingo pedindo que o sol volte.

Decidi sair da cafeteria, a chuva tinha parado, iria ler na praia, me distrair com algo que não sejam da cor-de-delfim. Peguei meu livro, paguei a conta, me despedi do garçom que disse com doçura “volte sempre ao Les Vergers de Pommiers”.

Sentei no banquinho que estava molhado na frente do imenso deserto d’agua. Olhei para trás como se procurasse novamente aqueles olhos doces, não os vi, só vi a grande placa amarronzada “Les Vergers de Pommiers”, ele ainda devia estar tomando aquele seu café doce. Voltei ao livro pensando no delfim. Ouvi um som de porta, sorri, eram os olhos-de-delfim. Foquei no livro, ele não iria até onde estava, foi o que minha negatividade disse.

- Posso me sentar moça?

 Só fiz sim com a cabeça, estava distraída com aquela voz rouca entrando por meus ouvidos. Olhos-de-delfim estava ao meu lado naquele momento.

- Que música está ouvindo moça?

- Hey Jude. - Tirei meus fones e respondi meio sem graça, com minhas jabuticabas em seus delfins.

- Adoro Beatles. – Ele disse com o sorriso mais belo que já havia visto.

Respondi com um sorriso, e percebendo que dava para ouvir a música sem os fones ele começou a cantar com Paul. A sua voz rouca parecia com pássaros cantando em uma manhã fria como se pedissem atenção do sol. Dei uma risada, e com um ar de timidez comecei a cantar junto. Logo acabou, paramos, rimos, sorrimos. E ele soltou algumas palavras.

- Que voz doce, como é seu nome moça?

- Lisbéla, e o seu moço?

- Marco, libélula, Marco.

- Libélula?

- Claro. Não é esse seu nome moça?

- É Lisbéla...

- Posso te chamar de libélula? É um inseto tão bonito...

Odiava isso de “libélula”, mas deixei, os olhos de delfim me hipnotizaram novamente.

- Então libélula, o que fazes aqui neste frio? Achei que eu era o único que vinha aqui nesses dias...

- Eu gosto. Queria paz para ler e tomar um café enquanto observava o impacto da chuva com a água desse 
imenso deserto molhado.

- Entendo. – Falou olhando fixamente para o deserto d’agua enquanto tentava compreende-lo.

Ficamos no silêncio, só a voz de Paul quebrava isso, era o silêncio mais bonito que já havia sentido. Era o silêncio do novo, do desconhecido, dos olhos-de-delfim.

Nicole Elis.

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